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Pena de morte?

Atualizado: 21 de jun. de 2023



Quantas vezes ao ouvirmos relatos de crimes atrozes não nos surpreendemos verbalizando que o criminoso merece a pena de morte? Nos crimes que envolvem crianças, então, nossa revolta se transmuta em desejo de punir o culpado com a morte e às vezes reforçamos: merece uma morte lenta e dolorida! Apesar disso, no Brasil não há pena de morte. No mundo, poucas dezenas de países utilizam-se, ainda, desse expediente tão questionável.


Vale pensarmos, mesmo culpada, como se sente uma pessoa condenada à morte, o que pensa ou sente enquanto aguarda o momento da execução?


Victor Hugo, escritor francês, escreveu um livro denominado “O Último Dia de um Condenado”, publicado em 1829. Foi escrito como um protesto à sentença de morte, na França, em vigência na época. Narra a história de um homem condenado à morte, descrevendo os seus tormentos e sentimentos durante a jornada, desde a condenação até a execução da sentença. “Eu só tenho um único pensamento, uma única convicção, uma única certeza: Condenado à morte!”


Victor Hugo foi romancista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos, de grande atuação política. A obra em pauta mostra o amadurecimento da ficção do autor, que reflete a aguda consciência social que permearia suas obras posteriores. Há que se destacar a excelência narrativa de Victor Hugo; um texto sóbrio, elegante, com linguagem exata, elaborada, sem derramamentos sentimentais, de alto nível. Uma delícia ler!


“O Último Dia de um Condenado” conta a história de um personagem, de quem não sabemos o nome, nem o crime, perscruta os pensamentos e tormentos desse indivíduo impotente diante de um mundo desumano. O condenado é um cidadão que cometeu um crime, foi julgado e condenado à morte. O livro descreve o seu sofrimento durante o tempo que antecede o cumprimento da pena, desde a condenação até a execução da sentença. O autor, militante dos direitos humanos, usa essa ferramenta para tecer críticas à situação social, não só nacional, mas também mundial.


O autor mostra a inexorabilidade do passar dos dias, com a ideia de morte ainda distante, mas com a aproximação, o personagem vai aos poucos tomando consciência de sua condição de condenado. A ação dos carcereiros, os outros detentos, sua cela e até mesmo seus conceitos mais profundos, acabam por deixá-lo deprimido, onde alterna calma e rancor pela situação que vive. O que importa viver ou morrer? O que lamentar? “Eu que tive polida educação, ser brutalizado por carcereiros e guardas, não ver um ser humano que me creia digno de uma palavra”. O que o ser humano deixa nesse mundo, se ele já nasce com um único destino certo que é o encontro com a morte. Encontrar com sua pequena filha, que devido ao tempo de prisão e sua atual situação, não mais o reconhece o magoa absurdamente. Essa dor leva o personagem a desistir de tentar lutar por seu perdão e se entregar ao seu destino.


Mas, mesmo se entregando ao desespero, remetendo-se a suas recordações, percebendo o arrependimento e remorso pelas atitudes em que se envolvera, o prisioneiro ainda busca uma última saída, uma última petição, um último pedido, o que não chega a ser analisado, e a execução, como poucas outras coisas no mundo, não se atrasa.


Um homem condenado que se arrepende, no último instante, de ter desdenhado de sua vida. O comportamento da sociedade que vê a pena de morte como um espetáculo de horror mas que merece ser assistido e aplaudido, como expectadores sem consciência dos desmandos do poder.


As objeções desse condenado levantam sérios questionamentos ainda hoje. As críticas feitas pelo autor e as reflexões imanadas dessas críticas, no mínimo, nos levam a questionar não apenas o caminho que a sociedade atual trilha, mas o vislumbre de uma sociedade cada vez mais desigual.


“A porta do túmulo não se abre pelo lado de dentro.” (Victor Hugo)


(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

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